Ó palavras infectadas, para que vos quero?!
Ó discursos ocos enfeitados de nada,
Inércia de estúpidas substâncias
Incolores, insípidas, inodoras...
Por que assombrais a beleza da terra?!
Ó senhores do mundo, onde enterrastes o
tempo?!
Ó amantes de Narciso, quebrai o espelho!
E vós, Sátiros incrédulos, ide assustar o
medo!
Que eu só quero vociferar sem eco
Contra o verso cerâmico carente de amor.
Mas sei-me inútil, pois
Nada explica os mortos mudos
E nenhum verbo acorda gestos humanos.
Nenhuma
palavra honra os rios, oceanos, planícies,
Crateras e
elevações que alicerçam a inocência.
A beleza vive longe dos espelhos do mundo,
Escondida entre os cadáveres efémeros
Da eternidade que a ninguém perturba.
Não quero arrufos nem versos,
Morrerei a voar só comigo,
Naturalmente, como um pássaro,
Perdida entre folhas num campo incógnito.
Mas como posso existir absolutamente só?...
_Existo para mim e assim sou tudo:
Aparente e invisível passo enquanto
Me misturo e desfaço na poeira do tempo.
Ainda alimento o destrambelhar das
trovoadas:
Lanço raios sobre as casas, maus olhares às
famílias...
Insulto as pessoas bem comportadas _e grito
Quando ouço a mudez ressonadora dos surdos!
Podem os imbecis castigar-me por desordem,
Mas, porque sou invisível, nenhum tormento,
Ninguém, me obrigará a seguir cortejos,
Nem mortos nem vivos!
Gosto de me
encantar, descobrir nascentes,
Espantar o
medo...
Também comunguei
na missa de todos,
Mas não
quero que me levem
Nem atrás nem adiante.
Não voltarei a fazer convites,
Quem goste de conservação, que fique
Bem guardado até ao dia em que mate
A fome a quem aprecie cadáveres
Crus ou cozidos, pouco importa.
12
Fev. 97
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