01 setembro 2009
Poema ordinário de todos os tempos
Quem está na arena desta vez?
Os cães divertem-se à solta
Massacram a Terra homem a homem
Saqueadores arrebatam todo o pão
Enquanto os desarmados morrem de fome
No trono os insanos são venerados
Deuses provocam inveja aos diabos
Bestas cegas escarneiam tragédias
Amassam e levedam o demónio
No auge assiste-se à morte da vida
Sob a espada do ódio a Terra
Arde e chora
6 Jan. 97
Sobrevoando o céu silvestre
(homenagem a Walt Whitman)
Amanhã
vou ao rio
colher doces medronhos
para o meu namorado.
Amanhã
vou às carpas
e choverão labaredas nas águas.
Amanhã
sinceramente voarei
sobre a toalha vermelha
cruzada de ervas
entre as folhas eternas.
Amanhã
amá-lo-ei, naturalmente
embebido numa mistura de vinhos.
E na sua boca provarei
o sumo do amor, simples:
no beijo colherei o mel
e as gotas licorosas da primavera.
Amanhã
sobrevoaremos o campo de estrelas
e no verde perfumado de medronho
aspiraremos as fragrâncias do paraíso.
Amanhã
nos braços do céu silvestre
fluirão os néctares sanguíneos,
por inumeráveis estrelas-abelhas
jorrados nos favos da toalha.
E entrançados iremos
pelos jardins radiantes,
colhendo maçãs e delírios
nas bocas serpentinadas.
Amanhã
no rasto das colheitas do trigo
entraremos na eira do céu
para desfiar as searas
nas espigas ardentes do Verão.
Amanhã
nos caminhos de terra molhada,
à beira-rio
seguiremos o trilho dos juncos
além das veredas do leito,
em direcção ao Outono
sem o qual nada saberíamos,
embora amantes desta Natureza
mais pura que a água das almas
antes da invenção das máquinas.
Amanhã
amaremos todas as ervinhas
sobre a abismo da Terra onde
os nossos corpos caracóis tornados
serão calor etéreo, vida e morte
adoração de infernos e céus, repousados
no amor entre as estrelas do mar
e fenos e fardos, ceifados
pelas mãos da serenidade viçosa.
Amanhã
saída do ventre da vida, a Terra
conceberá montanhas de espanto
e, sem sátiras nem tragédias vãs,
enfim seremos criaturas divinas,
livres de preceitos e máculas,
abolidas as fálicas regras
contra a humanidade impostas
pelas religiões anti-panteístas.
Amanhã
voltará a ser Arte a Mãe do Amor
florescente na Beleza da Terra inculta,
simples e sublimemente imaculada,
terna e flamante como a Lua-cheia.
Então seremos um só corpo
liberto dos espinhos das falsas virtudes,
um corpo absoluto e revolucionário
jamais amesquinhado por falsos deuses.
Amanhã
beberemos o vinho mais doce
e a sabedoria brotará das rosas
em mãos-cheias de frescos aromas
e amores iluminados no prazer de existir
religiosamente como Natureza.
Amanhã
muito além das sombras tenebrosas
deste éden gotejante de ácidos prazeres,
de paixões funestas e morte sem fim,
prosseguiremos a nossa caminhada,
bebendo e compartilhando a vida
das novas folhagens irradiadas
por colossais lençóis de frenesins floridos,
enquanto na idolatria se humilha o amor
e a sinceridade das crianças.
Filhos da miséria na terra das ilusões:
_não espereis ver seguido esse exército vago!:
pelo contrário, sereis içados
daí, onde definhais perdidos
nos enredos dessa pegajosa prisão, pois
por entre oceanos de tristeza e dores
não florescerão adorações:
todos os corpos são vasos efémeros,
jamais será eterna a obediência
ao escárnio da insanidade dita humana.
Amanhã
vou ao rio.
Amá-lo-ei, naturalmente.
Dez. 96
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