23 maio 2012


Egoísmo e Solidão



No interior do desamor
Exilou a amizade
Acreditando ser grande
Guardou-se
Pouco a pouco mirrando
Qual grão separado do fruto
Endureceu o núcleo

E na ilusão da unidade
Supôs que vencia
Negando a carência
Rejeitando a oferenda
De ninguém se aproxima
Rói-se de inveja
No excesso cerrado

Vazio e perdido
Esquartejou a família
Crendo que renascia
Dos abismos plantados
Mas quebrado o espelho
Ecoaram mil gritos
Solidários fragmentados  

Jan. 97

[Deitei-me suspensa no sono]



Deitei-me suspensa no sono

A três palmos do chão entalada

Entre uma tábua e milhões d’ovelhas

Espero que o despertador passe

Pra me levantar e fazer o sono.


Mas de que serve o sono

A quem só quer acordar?...

Mais valem mil despertadores!

Pois o melhor que se faz no sono

Não precisa sequer duma ovelha.



14-01-97

Bebedeira



Um dia entrei numa taberna:
 Provei um copo de bebedeira
 Acompanhada por sardinhas fritas,
 Toucinho, linguiça e pernas.
Comecei a frequentar a missa,
 Sempre à espera de vê-la jorrar
Rubra no maravilhoso cálice,
 Penetrante na boca do padre.
Agora trago-a da mercearia
 E continua a deleitar-me,
Fogosas e de gritantes cores,
 No interior da garrafa verde.
 
14-01-97

21 maio 2012


Memórias



Sonho que estou sentada
 No balcão da minha rua,
 A tomar o fresco da tarde
 Trazido pla gente que volta da lida.

Mas nos campos agora desertos
 Nesta terra de novo virgem
 Já só crescem mato e estevas
 De perfume sem dono.

 Fecho os olhos e vejo o passado,
 Relembrando tempos confusos,
 Vejo cheio o chão das aldeias
 Abertas na comunidade da terra.

13-01-97

[Quisera adorar o Sol]


Quisera adorar o Sol,
 Mas o dia cobre-me a essência,
 Tornando artificial toda a lucidez.
 Assim escolho a clareza da noite
 E o devaneio inimaginável
 Por companhia.

12-01-97

[Quero ser um pássaro vermelho]


Quero ser um pássaro vermelho,
 Voar até à Lua
 E enchê-la de coragem
 Para que nunca esconda
 A sua luz inquietante e apaixonada,
Para que o seu brilho
 Seja guia do amor
 E na sua imensa esfera
 Rodopie, interminável, o desejo.
 
 12-01-97

Pra onde foi o vinho?...



Pra onde foi o vinho mágico?:
 _voltou-me a frieza ao espírito
 e agora: _que digo?!...
 Queria vazar da caneta o tinto
 e dormir em paz no esgoto,
 mas onde está o vinho?!
  Plos dedos desliza-me azul,
 o papel empalideceu
 e na minha cabeça nada crepita.
 Homessa!: _então a fábrica fecha assim?!
_inda não desliguei a corrente de nervos.
 Continuo à espera da faísca, 
 mas nenhum raio m’atordoa!
 Caramba, que seca!!
 Viro o traseiro prò lume:
 aquecida apenas por detrás
 não posso mirar a Lua.

 8 Jan. 97

[Teresa cria estar presa]


Teresa cria estar presa
 no século passado,
 enredada num libidinoso fado
 de penas e suores vertidos
 contra o corpo do amante
 onde louca se escondia
 com inexplicáveis sorrisos.
 Noite e dia voando
 ansiosa por um deleite,
 viu no estrondo percorrido
 o sono em que se perdia
 quando, cansada e atrevida,
 acordava a preguiça sentimental
 de um corpo sem enredo.
 Restou apenas um relâmpago:
 _sem trovão, pois então!

 8 Jan. 97

Descrição geométrica



Naquela triste sala penetraram trinta pontos
 à procura dos limites de um pobre diedro, porém
escorregaram na geratriz oblíqua de um cone recto,
 perdendo o eixo no labirinto infinito da esfera
 para revoltos caírem no centro da linha de terra.
 
8 Jan. 97

Avoando na seara


Sob o Sol arrefeço
 À sombra do trigo aqueço
 Nas espigas entreteço
 As asas e avoo  

8 Jan. 97

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