Adoro e abomino este livro escuro
onde o bem e o mal arrogam a verdade,
misturados amiúde sem sentido:
ao mal atribuindo boas qualidades
e no bem ignorando as purezas do mal.
Sempre másculo e em nome de Deus
intolerante para com os pecadores,
horrendo castrador das mulheres,
opróbrio dos artistas,
bajulador dos passivos,
conservador e revolucionário
na firmeza dos preceitos.
Não houvera quem nele lera outros nexos
não escondidos, venceria o dogma terrífico
contra os filhos do Deus que nada escreveu,
apesar da insistência, dita humana, no sacrifício
de tantos dons divinamente recebidos.
De milénio em milénio, pouco mudou
na natureza humana. Sentimentos
dissimulados, grandes delírios no verbo
e no modo, ocultaram da vida a forma
manifesta no intervalo das estrelas.
Mas tudo persiste, imutável
desde o domínio das vozes divinas
engendradas para calar o Homem.
Livro bem intencionado, sagrado
de vias infernais na vida e na morte,
Bíblia bebida como escárnio da Humanidade,
devolve e espalha essas folhas!
à dor dos sábios arrancadas.
23 Dez. 96
04 outubro 2008
02 outubro 2008
[Amigo]
Amigo,
pra quê um armário tão grande, se ninguém te come?
Onde escondeste o amor, o mel, a verdura dos olhos?
Pra quê tanta mentira? se, desalentado, não dormes
e fechas o poeta no armário que te protege a ilusão.
Neste mundo de seres obedientes,
almejaste subir ao inferno:
_ o que por lá viste?...
Por detrás desses olhos queimados,
com a alma fora do mundo
entraste no tédio,
armando a coragem cobarde
nesse imenso armário que te defende,
para exibires a verdade...
Amigo,
não fujas de mim, que não minto!...
16 Dez. 96
pra quê um armário tão grande, se ninguém te come?
Onde escondeste o amor, o mel, a verdura dos olhos?
Pra quê tanta mentira? se, desalentado, não dormes
e fechas o poeta no armário que te protege a ilusão.
Neste mundo de seres obedientes,
almejaste subir ao inferno:
_ o que por lá viste?...
Por detrás desses olhos queimados,
com a alma fora do mundo
entraste no tédio,
armando a coragem cobarde
nesse imenso armário que te defende,
para exibires a verdade...
Amigo,
não fujas de mim, que não minto!...
16 Dez. 96
Esperança no Ar
Vem... Ar!...
congela-me o frio calor,
desembrulha o inverno,
torce as pernas mornas
deste bailado diabólico!...
Vem... Ar.... Vem!...
arrefece-me a morte,
rouba-me o vinho e a sede,
arranca os gumes tenebrosos
deste inferno surdo!...
Vem... Ar.... Vem!...
acorda os lírios e as cobras,
enche-me a cama de folhas,
traz a mortalha e as chamas
da tua cabeça alucinada!...
Vem... Ar... Vem!...
sobe à Terra, sente o vento,
espero a tua alma fria,
traz o veneno da Lua
e acalma esta agonia!...
Vem cá, Ar maldito!
não vês o Sol a brilhar
além nos montes distantes,
a derribar sobre as nuvens?!
Vem... meu Amor!...
cá estarei ao entardecer,
álgida e nua, irrompendo
da ternura dos ódios.
Vem, deus dos desertos!
corrói-me o corpo vicioso,
dulcifica a tortura tépida
das minhas impetuosas tremuras!...
Vem... Ar... Odeia-me!
que não quero amor roubado
aos diamantes rudes e puros.
Odeio-te, Ar... Vem!...
hei-de amar-te até me enterrar
no esterco desta terra luminosa.
Amar-te-ei por detrás da luz,
amar-te-ei além do amanhecer,
no ovo podre, no desgosto,
na fetidez que por ti respiro!
Amo-te, Ar... Vem!...
aqui renasce,
em mim
injuria todos os asseados
que plas ruas afiam gládios!
Ergue-te e resplandece, Ar!...
irmão eterno dos simples,
que a vida borbota
em cada fruto suspenso
nesta esperança
até ser Homem.
14 Dez. 96
congela-me o frio calor,
desembrulha o inverno,
torce as pernas mornas
deste bailado diabólico!...
Vem... Ar.... Vem!...
arrefece-me a morte,
rouba-me o vinho e a sede,
arranca os gumes tenebrosos
deste inferno surdo!...
Vem... Ar.... Vem!...
acorda os lírios e as cobras,
enche-me a cama de folhas,
traz a mortalha e as chamas
da tua cabeça alucinada!...
Vem... Ar... Vem!...
sobe à Terra, sente o vento,
espero a tua alma fria,
traz o veneno da Lua
e acalma esta agonia!...
Vem cá, Ar maldito!
não vês o Sol a brilhar
além nos montes distantes,
a derribar sobre as nuvens?!
Vem... meu Amor!...
cá estarei ao entardecer,
álgida e nua, irrompendo
da ternura dos ódios.
Vem, deus dos desertos!
corrói-me o corpo vicioso,
dulcifica a tortura tépida
das minhas impetuosas tremuras!...
Vem... Ar... Odeia-me!
que não quero amor roubado
aos diamantes rudes e puros.
Odeio-te, Ar... Vem!...
hei-de amar-te até me enterrar
no esterco desta terra luminosa.
Amar-te-ei por detrás da luz,
amar-te-ei além do amanhecer,
no ovo podre, no desgosto,
na fetidez que por ti respiro!
Amo-te, Ar... Vem!...
aqui renasce,
em mim
injuria todos os asseados
que plas ruas afiam gládios!
Ergue-te e resplandece, Ar!...
irmão eterno dos simples,
que a vida borbota
em cada fruto suspenso
nesta esperança
até ser Homem.
14 Dez. 96
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