Estou farta de estar aqui
a fazer nada, nada!
Assim, nada se esvai de mim
para tudo o que nada é.
Aqui fico sentada no tédio,
à minha frente jaz um monte
de jornais aborrecidos
_dizem nada, nada!_
e um cinzeiro cheio que despejei há pouco
no cinzeiro-mor deste mar de soletradores
de frases vazias, infinitamente
reproduzidas nas ondas de tudo.
E aqui fico sentada
defronte da parede defronte,
olhando folhas dependuradas
e pensando nas árvores abatidas
só para encher vitrinas de papéis,
para que nada seja lido.
Já não sustento este absurdo contínuo,
mas aqui me encolho neste marasmo
que arroga ser espaço e tempo de tudo.
Daqui saiu agora uma rapariga
sobrecarregada de meditações
e atrás dela um mestre
muito calado, ultimamente…
_melhor assim, dantes só enchia
balões de vaidade.
E nada me ocorre,
enquanto rabisco estas frases toscas.
Observo uma planta de folhas secas
num vaso de plástico, coitada,
ao lado dum rapaz a pensar em nada.
E quedo-me perplexa nesta corrente
de ar, por onde passam pernas
à procura dos próximos degraus,
das coisas que nascerão do nada.
Passa o tempo e eu fumando
este aborrecimento, mas já sinto
o êxtase do nada a expandir-se no Universo.
Ai, se eu fosse nada, abriria as minhas
portas
para me expulsar de mim!
Não quero nada, contudo espanto-me
com quem diz nada querer,
quando afinal só o nada quer.
Insurjo-me, amiúde por nada...
mas agora só desejo: _que nada saia daqui!
E ainda me resta uma hora de esperança,
sem que nada aconteça em mim.
Nada obriga ninguém, nada atrai
e o nada fica sepultado em tudo.
Ainda ouço os zumbidos habituais
dos monólogos a dois,
continuo à espera que nada apareça
e fico aqui _porque eu sou nada, nada!
De contrário, partiria
para longe do longe e mais além,
onde se reúnem tudo e nada.
Ainda faltam
dezassete minutos
e espero,
espero, espero!...
o fim desta
submissão.
Depois, irei
sorver o delírio
que tudo
liberta, com prazer
beberei todas
as coisas belas
que
desvanecem a rigidez
destas horas
inúteis.
Já salivo, estou ansiosa
por romper este nada com tudo
que me espera dentro dos livros.
Mas, enquanto não chego ao rubro,
suporto mais uma torrente de cinza.
Irra, ainda faltam dez minutos!
Já vejo rubores no rostos
e tremores nas pernas apressadas.
Vejo uma mulher coberta
por um casaco a três quartos
tingido de rosa púrpura,
que com toda a pressa corre
a incendiar os caminhos de tudo.
Este papel pardo está cheio,
só já posso rabiscar duas linhas
nesta espera desesperada.
Sinto o sangue vermelho aflito,
sinto em mim uma mistura de nada
que me eleva e afunda no tempo.
14
Fev. 97