A que espécie pertence o movimento
de um corpo? Quem dirige os passos
da caminhada com relógio no pulso?
Que voz pronuncia as palavras iguais
saídas das bocas em uníssono abertas?
Que doçura estrangula as vidas
que cumprem a ordem oculta
nas coisas tidas por vividas?
Que me importa a mim
que os outros não vivam,
se eu próprio morri!?
Que me importa a luta despida,
se me oferecem a ilusão da vida!?
Não! nada importa
e a consciência é pedra que quebra.
Basta-me a certeza de ser
_uníssono! _ como um
túmulo.
Para quê pensar,
se o pensamento contradiz o consenso?
Para quê reagir,
se o mais inane movimento
poderia arruinar o mundo?
Para quê interrogar,
se as respostas sempre seriam incómodas?
Eu estou sempre de acordo
_ ordenai, que executo!
A consciência foi ultrapassada pela fusão
_ está dito, repitam-no todos!!
Posso inventar tudo para explicar isto,
mas eu sou o vosso anátema,
não a escolha máxima.
Por vezes chamam-me democrata
_ mas sê-lo-ei?
Sooouu!!!
Grito! e, se preciso for, mato
o meu próprio filho louco,
corto a minha mão que peca!
entupo os canais subversivos
da verdade pura e universal!
Eu sou um arquétipo
_imponho-me o dever de sê-lo.
Não me envenenem com falsidades,
os meus anti-corpos são óptimos
_para o diabo a vossa sanidade!
Não adianta interrogarem-me
sequer quanto à origem dos meus actos:
_ ofusca, descaradamente,
o meu carácter inatacável.
Eu sou um justo!
Nunca ajo sem sopesar os outros
e a harmonia dos mundos. É ridículo
perguntarem-me o que é amar, pois
agindo naturalmente eu amo.
Que ninguém me peça provas:
_não, não me interessam!
E não quero sentir
nem pensar! ¾ magoam
e eu sou uma criatura humana.
_ Eu não sou marginal!
Não vedes que estou com todos?...
Simplesmente obedeço
e, sem dúvidas, entre os homens
estou acima de todas as bestas.
Eu sou ra-ci-o-nal
_ os animais são animais.
Eu não sou animal!
_ Então eu não sou homem!?...
Só a razão me governa a vontade
e as razões de fundo são os lemes da minha vida.
Vida?!... _Claro, vida!
Que bom estar vivo!... só por isso eu sou feliz.
Infelizes são os mortos!
Os mortos são infelizes?!...
_obviamente.
Eu não sou propriamente um rei, mas
por aí rasteja muita minhoca.
Quando me constipo fico radiante
_outros sofrem até morrer _que espectáculo!
Não... Não me confundais, eu sei tudo.
Que ninguém me desminta,
não quero ouvir, calai-vos!!
Ou então falai!... falai!...
eu só ouço o que já sei
_já nasci com tudo.
Fui criança...
e desenvolvi-me tão bem, tão bem!...
que me tornei o ser mais esplêndido.
Hoje sou um velho sábio,
já vivi muito, mas
quanto a saber, já nasci com tudo!
_E quanto à morte?
Perguntais se me assusta?!...
Claro que
não!
naturalmente serei trasladado.
Sei que não passo duma insignificante peça
no maquinismo da vida
_mas que ninguém me chame máquina!
Não imagineis que sigo o rasto de outros
só por medo de arriscar caminho incerto:
sei que a verdade está nas evidências,
arriscado é seguir o rasto de outrem.
Ainda assim, arrisco tudo
porque sou o melhor do mundo
_ o mais esperto, o mais afoito!
Quem se atreve a desafiar-me
para uma guerra corpo a corpo?!
_ Quanto
valerá este gesto?...
só com sentidos autorizados?
Janeiro de 92