Costuma sentar-se no topo do monte
com uma cana de pesca, sorridente,
atirando a linha ao mar de peixes
embevecidos na isca do anzol suspensa.
Um semi-ingénuo abre a bocarra
pronto a rasgar os beijos na troca
do seu corpo esfarrapado por uma bela
mercadoria de engodo exposta na barraca.
Naquele mar os peixes apodrecem,
saltitando entre estilhaços e garrafas,
à espera do álcool que apague os reflexos
de jovens ansiosos e ricos desfigurados.
Hilariados os rostos emergem do lixo
sem ver o esqueleto que ficou no fundo;
e os mergulhadores enfatuados aplaudem
o banquete imundo de fétidos petiscos.
Lá bem no alto, o astro-rei festeja
a rica sucata que a multidão lhe trouxe
e anima as raparigas que se contorcem
no interior gelado duma lata ferrugenta.
Por fim o criado recolhe os pescados,
os ventres esfaqueando vigorosamente,
e de cada escama arranca um príncipe
que a áspera faca em sapo transforma.
Dez. 96
11 setembro 2008
07 setembro 2008
«Que nem um cão»
Sobre si mesmo
dizia ser «que nem um cão».
Todos os dias fiel
cumpridor dos deveres,
abnegado animal doméstico,
minucioso inspector da limpeza,
investigador das partículas de pó
desde o tecto ao tapete da toca.
Dedos de fada carnívora
na aspiração da desordem:
Tocava e limpava
_ Inspeccionava!...
Lavava e limpava
_ Inspeccionava!...
Lambia e limpava
_ Inspeccionava!...
Arrumava e limpava
_ Inspeccionava!...
Descansava
_ Inspeccionava!...
Limpava...
_ Antes fora vassoura! _ Mas,
espectacularmente, não limpava
nos dias em que vomitava,
«quem nem um cão»,
sobre si mesmo.
4 de Dez. 96
dizia ser «que nem um cão».
Todos os dias fiel
cumpridor dos deveres,
abnegado animal doméstico,
minucioso inspector da limpeza,
investigador das partículas de pó
desde o tecto ao tapete da toca.
Dedos de fada carnívora
na aspiração da desordem:
Tocava e limpava
_ Inspeccionava!...
Lavava e limpava
_ Inspeccionava!...
Lambia e limpava
_ Inspeccionava!...
Arrumava e limpava
_ Inspeccionava!...
Descansava
_ Inspeccionava!...
Limpava...
_ Antes fora vassoura! _ Mas,
espectacularmente, não limpava
nos dias em que vomitava,
«quem nem um cão»,
sobre si mesmo.
4 de Dez. 96
Às meninas bonitas
Oh!... Me-ni-na!
O brilho da sua saia ofusca
os olhos de qualquer idiota.
Mas não se iluda!...
pois nesse brilho
ele só vê
a sua própria imagem
adornada por você.
23 Nov. 96
O brilho da sua saia ofusca
os olhos de qualquer idiota.
Mas não se iluda!...
pois nesse brilho
ele só vê
a sua própria imagem
adornada por você.
23 Nov. 96
Enredos e nós
Estou farta
da falta
de criatividade
que há
nas malhas
da vida
do homem
que em nada crê
Porquê?!
E fumo mais um cigarro
de aborrecimento ao lado
dum tipo de boné
que bebe
uma garrafa
de vinho igual
à minha
Pra quê?...
23 Nov. 96
da falta
de criatividade
que há
nas malhas
da vida
do homem
que em nada crê
Porquê?!
E fumo mais um cigarro
de aborrecimento ao lado
dum tipo de boné
que bebe
uma garrafa
de vinho igual
à minha
Pra quê?...
23 Nov. 96
06 setembro 2008
[Beijei a voz do silêncio]
Beijei a voz do silêncio
a uma sexta-feira
Encontrei o delírio nu
silêncio
a uma sexta-feira
A uma sexta-feira
vi risos apalermados
em rostos infelizes
e segredos escondidos
em rostos pensativos
e serenidade
e cansaço
e fuga
e gente a contar tostões
e colegiais à espera
e todos à espera
de ser transportados
pra outras paragens
mais próximas do sábado
Encontrei o diabo
a uma sexta-feira
numa churrasqueira sentado
nas brasas ardentes
de carvão passado
Pedi-lhe uma omeleta
trouxe-me um prato de batatas
em óleo fervidas demasiado
servidas por um boydelaço
numa bandeja de plástico
Planeio encolher a ferrugem
no silêncio desta sexta-feira
pra ocupar o pensamento
medroso do vazio repleto
no esquecimento das ruas
por onde caminho.
22 de Nov. de 96, sexta-feira
a uma sexta-feira
Encontrei o delírio nu
silêncio
a uma sexta-feira
A uma sexta-feira
vi risos apalermados
em rostos infelizes
e segredos escondidos
em rostos pensativos
e serenidade
e cansaço
e fuga
e gente a contar tostões
e colegiais à espera
e todos à espera
de ser transportados
pra outras paragens
mais próximas do sábado
Encontrei o diabo
a uma sexta-feira
numa churrasqueira sentado
nas brasas ardentes
de carvão passado
Pedi-lhe uma omeleta
trouxe-me um prato de batatas
em óleo fervidas demasiado
servidas por um boydelaço
numa bandeja de plástico
Planeio encolher a ferrugem
no silêncio desta sexta-feira
pra ocupar o pensamento
medroso do vazio repleto
no esquecimento das ruas
por onde caminho.
22 de Nov. de 96, sexta-feira
Vida desesperada de fúria vã
Ó vida que nada vales
além da insignificância
do existir efémero de cada ser!
vida insípida
de organismos estéreis
transitoriamente organizados
vida ferida
de seres esventrados
pelas armas da tristeza
herança eterna
nos anais do infinito
passar sem ser
dolorosa marca
da ilusão de querer ficar
para sempre registado no tempo
triste figura
incompreendida pelas ervas
da mais breve primavera
expressão amargurada
que provoca dor
na fragilidade
angústia dos infelizes
animais brutais
surdez maligna
dos vírus eternos e transitórios
pobreza de olhos
que cegamente espreitam
e obedecem ao olho grande
Vida de merda,
perdida na máscara
enfiada nas vísceras do cérebro!
atrofia de células
que nunca chegam a desabrochar
independentes
mágoas sublimadas no nada,
oferta única das exigências absolutas
das vidas contínuas
Se a morte do nada
não chega sequer a nascer,
para que se reabre o ciclo da vida?!...
E no entanto... sempre
renascem infinitas margens
entre a morte e a vida.
Outubro de 96
além da insignificância
do existir efémero de cada ser!
vida insípida
de organismos estéreis
transitoriamente organizados
vida ferida
de seres esventrados
pelas armas da tristeza
herança eterna
nos anais do infinito
passar sem ser
dolorosa marca
da ilusão de querer ficar
para sempre registado no tempo
triste figura
incompreendida pelas ervas
da mais breve primavera
expressão amargurada
que provoca dor
na fragilidade
angústia dos infelizes
animais brutais
surdez maligna
dos vírus eternos e transitórios
pobreza de olhos
que cegamente espreitam
e obedecem ao olho grande
Vida de merda,
perdida na máscara
enfiada nas vísceras do cérebro!
atrofia de células
que nunca chegam a desabrochar
independentes
mágoas sublimadas no nada,
oferta única das exigências absolutas
das vidas contínuas
Se a morte do nada
não chega sequer a nascer,
para que se reabre o ciclo da vida?!...
E no entanto... sempre
renascem infinitas margens
entre a morte e a vida.
Outubro de 96
Entre mãos e vozes
Em breve regressará o dia da desordem
Que se calem todos os fantoches da Terra
Queremos ouvir os donos das mãos
Que não ocultem mais os seus rostos
Que todos os olhares se suspendam
Perante a visão dos senhores da ordem
Que se descubram infinitas faces
Enfim escutaremos as nossas vozes
Olhos nos olhos confundiremos
No destampar dos pensamentos
O emergir dos espíritos acesos
Terminada a era dos ventríloquos
Amaremos o perfume dos porcos
E até os rochedos terão sentimentos
14 Set. 1996
Que se calem todos os fantoches da Terra
Queremos ouvir os donos das mãos
Que não ocultem mais os seus rostos
Que todos os olhares se suspendam
Perante a visão dos senhores da ordem
Que se descubram infinitas faces
Enfim escutaremos as nossas vozes
Olhos nos olhos confundiremos
No destampar dos pensamentos
O emergir dos espíritos acesos
Terminada a era dos ventríloquos
Amaremos o perfume dos porcos
E até os rochedos terão sentimentos
14 Set. 1996
[Ordenas-me que procure a ordem universal]
Ordenas-me que procure a ordem universal
...........................Procura a verdade na merda que és
Acusas-me por não te idolatrar
...........................Acusa quem te idolatra como um deus
Massacras-me hoje como sempre
...........................Massacra os que acreditam na falsidade
Combates toda a minha actividade
...........................Lutas pela justiça com a passividade
Odeias-me por me mostrar
...........................Orgulhas-te do teu discreto brilho
Porque cativo olhares e reflexos
...........................Que tu és incapaz de amar
3 Set. 1996
...........................Procura a verdade na merda que és
Acusas-me por não te idolatrar
...........................Acusa quem te idolatra como um deus
Massacras-me hoje como sempre
...........................Massacra os que acreditam na falsidade
Combates toda a minha actividade
...........................Lutas pela justiça com a passividade
Odeias-me por me mostrar
...........................Orgulhas-te do teu discreto brilho
Porque cativo olhares e reflexos
...........................Que tu és incapaz de amar
3 Set. 1996
[Irei ao teu encontro]
Irei ao teu encontro
Com toda a minha vida
Dar-te-ei absolutamente tudo
Até deixar-te vazio
Irei com toda a minha vida
Vestida de negro
Coberta de desejo
Sagrado no inferno
Ficaremos abertos
Fechados num quarto
Até esgotar o corpo
Ficaremos misturados
Dia e noite
Por longos dias
Ficaremos sós
Livres e presos
Até sentir a morte
Então sairemos
Sem quaisquer incertezas
Eternamente cúmplices
Agosto de 1996
Com toda a minha vida
Dar-te-ei absolutamente tudo
Até deixar-te vazio
Irei com toda a minha vida
Vestida de negro
Coberta de desejo
Sagrado no inferno
Ficaremos abertos
Fechados num quarto
Até esgotar o corpo
Ficaremos misturados
Dia e noite
Por longos dias
Ficaremos sós
Livres e presos
Até sentir a morte
Então sairemos
Sem quaisquer incertezas
Eternamente cúmplices
Agosto de 1996
05 setembro 2008
Viver...
Abrir-me em mim
No silêncio do mundo
Arriscar tudo mergulhando
No quotidiano explosivo e mudo
Enquanto a terra me não encerra
Agosto de 1996
No silêncio do mundo
Arriscar tudo mergulhando
No quotidiano explosivo e mudo
Enquanto a terra me não encerra
Agosto de 1996
Encontro inconciso
São 3 horas da madrugada
Caminho só
Encontro polícias, proxenetas, prostitutas...
Caminho
De regresso a casa
Encontro a sensatez
Vou de regresso a casa
Pela noite mais sombria
Conduzida pela sensatez
De volta ao fulgor da noite
No luzeiro dos cabarets
Emborco mais uns whiskys
Com as trabalhadoras da noite
Achincalho os voyeurs da noite
Entro no camarim
Vejo-me nos olhos do travesti
De regresso a casa
A sensatez faz-me vómitos
E oferece carícias e lenços
Entra na minha casa
Onde quero ficar só
Para vomitar a vida
Ainda me afaga os cabelos
Mas preciso queimar os restos
Medíocres doutras noites
Tudo destruo e apago
Onde estará a sensatez?...
31 Julho 1996
Caminho só
Encontro polícias, proxenetas, prostitutas...
Caminho
De regresso a casa
Encontro a sensatez
Vou de regresso a casa
Pela noite mais sombria
Conduzida pela sensatez
De volta ao fulgor da noite
No luzeiro dos cabarets
Emborco mais uns whiskys
Com as trabalhadoras da noite
Achincalho os voyeurs da noite
Entro no camarim
Vejo-me nos olhos do travesti
De regresso a casa
A sensatez faz-me vómitos
E oferece carícias e lenços
Entra na minha casa
Onde quero ficar só
Para vomitar a vida
Ainda me afaga os cabelos
Mas preciso queimar os restos
Medíocres doutras noites
Tudo destruo e apago
Onde estará a sensatez?...
31 Julho 1996
Dourado no tempo
Fizeste-me pensar no tempo
No teu dourado tempo
No tempo que guardas
Tu que nunca perdes tempo
Fizeste-me voltar ao tempo
No tempo que te conduz
Ao tempo que rasgas
Quebrando a corrente do tempo
E vejo-te por aí aos bocados
Diluído no tempo diluído
À espera de a tempo encontrar
Um lugar dourado no tempo
1996
No teu dourado tempo
No tempo que guardas
Tu que nunca perdes tempo
Fizeste-me voltar ao tempo
No tempo que te conduz
Ao tempo que rasgas
Quebrando a corrente do tempo
E vejo-te por aí aos bocados
Diluído no tempo diluído
À espera de a tempo encontrar
Um lugar dourado no tempo
1996
Puras Rosas
Veludo vermelho
puras Rosas
insensatas santas
vilipendiadas
pela insensibilidade
social brutal
ignorante
da vida da alma
Sinistra bondade
soberba crueza
que as encerra e expulsa
por doença medrosa
hipocondria maligna
vida sem vida
terror de ser
contaminado
pela sua pureza
1996
puras Rosas
insensatas santas
vilipendiadas
pela insensibilidade
social brutal
ignorante
da vida da alma
Sinistra bondade
soberba crueza
que as encerra e expulsa
por doença medrosa
hipocondria maligna
vida sem vida
terror de ser
contaminado
pela sua pureza
1996
Animale masculu
Porque é o macho tão bravo?
Inventa, magica, erige
castelos de areia sem sonhos.
Mas impede! o imberbe,
omnipotente maníaco,
tarado sexual imbecil,
fetichista social,
implacável arrogante,
verdugo infeliz,
chibante impotente,
apático antipático,
com treze anos ou menos,
arroja cortar-me os pés
e dizer-me que sou um bébé!
É impossível harmonizar a contenda:
dum lado, temos o imberbe
convicto da sua maioridade;
do outro, a mulher adulta
a ser tratada como fraldesca.
E no meu copo borbulham pedras salgadas
enquanto, no compasso do tempo, fortemente
comprimo as inabaláveis forças da criança.
Ele, o patriarca pubescente;
e eu, mulher da humanidade, sofrendo
só porque ele tem conflitos de idade.
E imagina-me frágil...
1996
Inventa, magica, erige
castelos de areia sem sonhos.
Mas impede! o imberbe,
omnipotente maníaco,
tarado sexual imbecil,
fetichista social,
implacável arrogante,
verdugo infeliz,
chibante impotente,
apático antipático,
com treze anos ou menos,
arroja cortar-me os pés
e dizer-me que sou um bébé!
É impossível harmonizar a contenda:
dum lado, temos o imberbe
convicto da sua maioridade;
do outro, a mulher adulta
a ser tratada como fraldesca.
E no meu copo borbulham pedras salgadas
enquanto, no compasso do tempo, fortemente
comprimo as inabaláveis forças da criança.
Ele, o patriarca pubescente;
e eu, mulher da humanidade, sofrendo
só porque ele tem conflitos de idade.
E imagina-me frágil...
1996
04 setembro 2008
Não me inspiras
Cavalheiro, mais ou menos
bem-aparentado
e já meio decadente,
partiu-se em bocados
e vende os restos
da sua triste figura.
Mas... cuidado!
Sem tristeza de Quixote
nem cavalo de batalha,
a sua franqueza já não existe.
_ Triste... é a sua idiotice.
1996
bem-aparentado
e já meio decadente,
partiu-se em bocados
e vende os restos
da sua triste figura.
Mas... cuidado!
Sem tristeza de Quixote
nem cavalo de batalha,
a sua franqueza já não existe.
_ Triste... é a sua idiotice.
1996
Complexos
Tendo dois termos de comparação,
direi que estou só neste redil
de privilegiados
muito preocupados
cos casacos e cas calças.
Gente que no íntimo sente,
mas por medo se elitiza;
para se proteger, ilusoriamente,
do que à vida não permite.
Gente que se julga complicada
e especial,
mas que é igual
à outra gente
de quem fala mal.
1995
direi que estou só neste redil
de privilegiados
muito preocupados
cos casacos e cas calças.
Gente que no íntimo sente,
mas por medo se elitiza;
para se proteger, ilusoriamente,
do que à vida não permite.
Gente que se julga complicada
e especial,
mas que é igual
à outra gente
de quem fala mal.
1995
Mais uma terça-feira no Hot Club
A beleza de uma música
é tudo no nada que acontece.
O som de uma flauta,
de um piano,
de um baixo...
preenchem o vazio
absurdo da existência vaga.
A música eleva-se
no nada que acontece
e permanece!...
1995
é tudo no nada que acontece.
O som de uma flauta,
de um piano,
de um baixo...
preenchem o vazio
absurdo da existência vaga.
A música eleva-se
no nada que acontece
e permanece!...
1995
Estúpida nostalgia
Por vezes,
quando anestesiada,
esquecida
lembro-me de ti:
a figura, a alma trocada,
a facada na vida,
o passado em mim.
E prossigo cheia,
contudo vazia...
perdida de ti.
Sempre lembrado,
tu que eras tudo,
ausente de mim...
ainda te vejo:
não substituído,
mas aqui.
Se aqui pernoitaras,
serias morto; assim
vivemos, tudo está certo.
A dor dilatou-me
o coração. A dor
passou, aqui te guardo
por entre o mundo.
E tu onde escondes,
amado, o rosto
que nunca mais vi?
Sei que os homens
são como são...
e só por isso
quase desisto.
Mas pego na espada
para matar o homem
que há em mim.
Só,
por ti.
1995
quando anestesiada,
esquecida
lembro-me de ti:
a figura, a alma trocada,
a facada na vida,
o passado em mim.
E prossigo cheia,
contudo vazia...
perdida de ti.
Sempre lembrado,
tu que eras tudo,
ausente de mim...
ainda te vejo:
não substituído,
mas aqui.
Se aqui pernoitaras,
serias morto; assim
vivemos, tudo está certo.
A dor dilatou-me
o coração. A dor
passou, aqui te guardo
por entre o mundo.
E tu onde escondes,
amado, o rosto
que nunca mais vi?
Sei que os homens
são como são...
e só por isso
quase desisto.
Mas pego na espada
para matar o homem
que há em mim.
Só,
por ti.
1995
Assunto sério
Loura de olhar verde
procura moreno
para compromisso
de futuras ralações.
E o moreno gosta!...
Mas o seu jeito,
importante, rejeita
a insignificância
de um olhar claro
que se imolaria
por um pardo e débil
leitor de anúncios.
1994
procura moreno
para compromisso
de futuras ralações.
E o moreno gosta!...
Mas o seu jeito,
importante, rejeita
a insignificância
de um olhar claro
que se imolaria
por um pardo e débil
leitor de anúncios.
1994
03 setembro 2008
A Coisa
Significa o princípio de tudo,
não um começo, mas um fio
por onde seguimos até
um precipício sem fundo,
a própria morte caindo,
mistério e entranhas,
sangue, parto, vida,
quando, desalmadamente,
a queremos.
1994
não um começo, mas um fio
por onde seguimos até
um precipício sem fundo,
a própria morte caindo,
mistério e entranhas,
sangue, parto, vida,
quando, desalmadamente,
a queremos.
1994
[É a tristeza infinita]
É a tristeza infinita
que me dá esta alegria:
amargurada sorrio,
alegro-me entristecida.
4/7/94
que me dá esta alegria:
amargurada sorrio,
alegro-me entristecida.
4/7/94
Tango
Desvairo na noite negra e clara
Aqui e ali surrupio uma gota de vida
Abro todas as minhas portas
Saio e entro em mim e em ti
Discordo de tudo o que existe
Maldigo toda a verdade vestida
Abraço a mentira sincera e sigo
As passadas de um tango em euforia
Anestesiada de absinto
Prossigo mais lúcida
Atacando toda a crueza perdida
3/7/94
Aqui e ali surrupio uma gota de vida
Abro todas as minhas portas
Saio e entro em mim e em ti
Discordo de tudo o que existe
Maldigo toda a verdade vestida
Abraço a mentira sincera e sigo
As passadas de um tango em euforia
Anestesiada de absinto
Prossigo mais lúcida
Atacando toda a crueza perdida
3/7/94
Revolucionários?...
_ Bem alto está o pedestal da nossa classe.
_ Pois! E em baixo?
_ «...Fraternidade e Igualdade» lêem-se na base.
_ Pois! E pra descer?!
_ Dizemos que acreditamos na Liberdade.
_ E como nos nivelamos?
_ Com o nosso ego replicado.
Elevaremos a luz que somos, mas cuidado!...
não tropecemos nalgum rei malfadado.
_ E quanto aos remediados da nossa rua?
_ Há que tratá-los consoante
a ufana inspiração da nossa fronte.
_ Pois! E os pobres?...
_ Devemos afagá-los com sorrisos
à distância conveniente, pois é outro
o estado social, estético, odorífico...
_ Pois! E o amor ao próximo?...
_ Antes de tudo, o amor-próprio!
Depois apresentaremos os nossos deuses.
_ Mas como, se somos ateus?...
_ A moderna idade joga a nosso favor
e os homens rudes, rudes, não têm charme
nem sequer classe para entender.
_ E cheiram a suor!... Então,
como poderemos nós dialogar?
_ É possível, com tal gente, criar
uma corrente distante, sem abdicar
da nossa linhagem superior.
_ E o nosso apuradíssimo sentido social?...
_ É prova de inteligência suprema
no pico da classe.
Os outros são os néscios,
os tristes, os simplórios, os conservadores!...
Nós os juízes éticos, estéticos, salomónicos,
socialistas, enfáticos, séxicos, querubínicos,
cépticos, apostólicos, analíticos, sintéticos,
pseudónicos, diuréticos, empíricos, neuróticos,
cirúrgicos, acústicos, ópticos, místicos,
e muito chavótico-eróticos!...
_ Então o nosso ego é inautotocável!?
_ Afavelmente segue a consciência consciente.
Assim perpetuamos a tranquilidade
e a imutabilidade da espécie.
_ E podemos ser revolucionários, mantendo
o nosso ser no centro, acima, abaixo, enquanto
o entretanto dura, antes, durante e depois de nós?!...
_ É preciso alimentar a barriga em cada minuto da vida,
em cada palavra, em cada gesto,
para que permaneça
redonda, aberta e fechada em si mesma.
_ E manter-se-á firme, a bola? Quem acreditará nela?...
_ Todos! Pois lutamos e na luta nos afirmamos.
_ Não por todos, mas por uns contra outros...
A humanidade não somos todos?!...
Como podemos ficar ilesos, ferindo outros?
_ O mundo impõe-nos _ e aceitamos _ que sejamos fortes
e que forjemos deuses e digamos que somos ateus.
_ Mas que diabo somos???...
1994
_ Pois! E em baixo?
_ «...Fraternidade e Igualdade» lêem-se na base.
_ Pois! E pra descer?!
_ Dizemos que acreditamos na Liberdade.
_ E como nos nivelamos?
_ Com o nosso ego replicado.
Elevaremos a luz que somos, mas cuidado!...
não tropecemos nalgum rei malfadado.
_ E quanto aos remediados da nossa rua?
_ Há que tratá-los consoante
a ufana inspiração da nossa fronte.
_ Pois! E os pobres?...
_ Devemos afagá-los com sorrisos
à distância conveniente, pois é outro
o estado social, estético, odorífico...
_ Pois! E o amor ao próximo?...
_ Antes de tudo, o amor-próprio!
Depois apresentaremos os nossos deuses.
_ Mas como, se somos ateus?...
_ A moderna idade joga a nosso favor
e os homens rudes, rudes, não têm charme
nem sequer classe para entender.
_ E cheiram a suor!... Então,
como poderemos nós dialogar?
_ É possível, com tal gente, criar
uma corrente distante, sem abdicar
da nossa linhagem superior.
_ E o nosso apuradíssimo sentido social?...
_ É prova de inteligência suprema
no pico da classe.
Os outros são os néscios,
os tristes, os simplórios, os conservadores!...
Nós os juízes éticos, estéticos, salomónicos,
socialistas, enfáticos, séxicos, querubínicos,
cépticos, apostólicos, analíticos, sintéticos,
pseudónicos, diuréticos, empíricos, neuróticos,
cirúrgicos, acústicos, ópticos, místicos,
e muito chavótico-eróticos!...
_ Então o nosso ego é inautotocável!?
_ Afavelmente segue a consciência consciente.
Assim perpetuamos a tranquilidade
e a imutabilidade da espécie.
_ E podemos ser revolucionários, mantendo
o nosso ser no centro, acima, abaixo, enquanto
o entretanto dura, antes, durante e depois de nós?!...
_ É preciso alimentar a barriga em cada minuto da vida,
em cada palavra, em cada gesto,
para que permaneça
redonda, aberta e fechada em si mesma.
_ E manter-se-á firme, a bola? Quem acreditará nela?...
_ Todos! Pois lutamos e na luta nos afirmamos.
_ Não por todos, mas por uns contra outros...
A humanidade não somos todos?!...
Como podemos ficar ilesos, ferindo outros?
_ O mundo impõe-nos _ e aceitamos _ que sejamos fortes
e que forjemos deuses e digamos que somos ateus.
_ Mas que diabo somos???...
1994
Desejo absurdo
Só queria que fôssemos humanos,
que a vida fosse mais que a morte,
que o absurdo não dominasse o mundo,
obrigando os homens a esconder o medo
debaixo duma crueza aparente e forte;
ou a enlouquecer, de tanto querer viver
em paz e seguir adiante realmente.
Mas quem inventou o absurdo?...
Quem enlouqueceu e nos chama loucos?
1994
que a vida fosse mais que a morte,
que o absurdo não dominasse o mundo,
obrigando os homens a esconder o medo
debaixo duma crueza aparente e forte;
ou a enlouquecer, de tanto querer viver
em paz e seguir adiante realmente.
Mas quem inventou o absurdo?...
Quem enlouqueceu e nos chama loucos?
1994
02 setembro 2008
[Um rio brotou das entranhas do céu]
Um rio brotou das entranhas do céu
e por vales correu,
desbravando a terra virgem
da mais terrível região do deserto.
Caminhou...
derrubando dunas,
desfazendo rochedos,
até desaguar num mar em chamas
e arrefecer as águas em volta
da ilha vulcânica de Marabi.
Nas areias plantou flores vermelhas:
e de cada flor nasceu um fruto
e de cada fruto um Deus.
Assim começou a história do povo marabino
que, não tendo pernas,
por sobre as ondas
voava e sorria.
1994
e por vales correu,
desbravando a terra virgem
da mais terrível região do deserto.
Caminhou...
derrubando dunas,
desfazendo rochedos,
até desaguar num mar em chamas
e arrefecer as águas em volta
da ilha vulcânica de Marabi.
Nas areias plantou flores vermelhas:
e de cada flor nasceu um fruto
e de cada fruto um Deus.
Assim começou a história do povo marabino
que, não tendo pernas,
por sobre as ondas
voava e sorria.
1994
A Dionysos e Eros
Rubro escorre pelas gargantas,
invade e embriaga os corpos
que no delírio se confundem
e enlouquecem...
Os dedos brincam na pele nua,
aqui e ali afligem
ou roçam de leve...
ateando insuperáveis suplícios.
Um odor animal mergulha-nos
num jogo lúbrico...
Inquietas bocas, secretas línguas,
irrompem e gritam
...Anima descontrolata...
1993
invade e embriaga os corpos
que no delírio se confundem
e enlouquecem...
Os dedos brincam na pele nua,
aqui e ali afligem
ou roçam de leve...
ateando insuperáveis suplícios.
Um odor animal mergulha-nos
num jogo lúbrico...
Inquietas bocas, secretas línguas,
irrompem e gritam
...Anima descontrolata...
1993
01 setembro 2008
É fácil
É fácil viver
seguindo a corrente
soprada pela força divina.
É fácil falar
sem dizer nada
repetindo palavras rebuscadas.
É fácil vestir
o hábito monacal
que amarra o corpo
e agrada aos outros.
É fácil ser fácil,
ter a ilusão da força
(quando a vontade de ser
é constituída pelo ter)
de quem nada tem...
1993
Lamento por Rabequel
Rabequel sabe defender-se
....E argumenta em seu favor
Admira o que desconhece
....E afável se mantém serena
Vê muitos efeitos sem causas
....E na obediência se perde
Rabequel não entende
A sobrevivência além dos céus
Mas gostaria de rutilar
Sem os infernos de ser
Uma outra mulher
1992
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